A adjudicação compulsória extrajudicial de imóveis

adjudicação compulsória extrajudicial

Considerações iniciais da compra e venda

Antes de abordarmos a adjudicação compulsória extrajudicial é importante fazer algumas considerações a respeito da compra e venda de imóveis.

Quando o valor do imóvel for superior a trinta salários mínimos é obrigatório que a compra e venda seja formalizada por meio de uma escritura pública, conforme determina o art. 108 do Código Civil:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

No Brasil é muito comum fazer um contrato particular de compra e venda antes da escritura pública, e, embora esse contrato não seja obrigatório, é muito recomendado, pois, nele constarão todas as regras e condições da transação, que será utilizado pelo tabelionato como base para a elaboração da escritura pública.

Muitas pessoas cometem o equívoco de acreditar que a escritura pública de compra e venda é suficiente para adquirir a propriedade do imóvel.

Quantas vezes ouvimos falar “eu sou dono, tenho a escritura pública” ?!

Contudo, é indispensável que a compra e venda seja registrada no Registro de Imóveis. É esse ato de registro que transfere a propriedade do imóvel para o comprador, conforme dispõe o art. 1.245 do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

Desse modo, para que a propriedade seja consolidada em nome do comprador é necessário: i) que seja feito a escritura pública de compra e venda em casos de imóveis com valor superior a trinta salários mínimos e; ii) que a escritura pública de compra e venda seja registrada no Registro de Imóveis.

Mas afinal, o que é adjudicação compulsória?

Existem situações em que a transferência do imóvel não ocorre e a propriedade não se consolida em nome do comprador, conforme explicado anteriormente.

No Brasil é muito comum as partes fazerem os chamados contratos particulares de promessa de compra e venda.

Por meio desse contrato uma pessoa se obriga a vender um imóvel a outra, desde que, e após, cumprida as condições pactuadas. Ou seja, a escritura pública de compra e venda apenas será lavrada após o cumprimento dessas condições, como por exemplo, o pagamento do valor.

Ocorre que, muitas vezes, apesar do comprador cumprir todas as condições do contrato, o vendedor se nega a outorgar a escritura pública de compra e venda, impossibilitando a transferência do imóvel no Registro de Imóveis.

Nesses casos, o comprador pode se utilizar da adjudicação compulsória a fim de conseguir regularizar a propriedade, conforme dispõe os art. 1.417 e 1.418 do Código Civil:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Desse modo, caso o vendedor se recusar a transferir o imóvel, o comprador poderá ingressar com um pedido de adjudicação compulsória, desde que exista um contrato de promessa (compra e venda, cessão ou permuta), e que não se tenha pactuado direito de arrependimento.

É importante destacar que com o advento da Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça, o registro da promessa de compra e venda no Registro de Imóveis deixou de ser um requisito para a adjudicação compulsória.

Súmula 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Até o advento da Lei nº 14.382/2022, a adjudicação compulsória era um procedimento exclusivamente judicial, contudo, a referida lei trouxe a previsão da adjudicação compulsória extrajudicial, da qual trataremos nos próximos tópicos.

Previsão legal da adjudicação compulsória extrajudicial

A adjudicação compulsória extrajudicial surgiu no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 14.382/2022 que introduziu o art. 216-B na Lei de Registros Públicos:

Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. 

Com essa inovação, agora é possível que o pedido de adjudicação compulsória seja processado no Registro de Imóveis.

Contudo, apesar da sua previsão na Lei 14.382/2022 e na Lei de Registros Públicos, ainda não era possível utilizar desse meio em razão da ausência de uma legislação estipulando o seu procedimento.

Visando sanar essa omissão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em 15 de setembro de 2023 o Provimento nº 150/2023.

Esse provimento regulamentou o art. 216-B da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) e estabeleceu as regras para o processo de adjudicação compulsória pela via extrajudicial.

Principais requisitos

Antes de ingressar com o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial é necessário observar se o caso concreto atende certos requisitos.

Por isso é fundamental que um advogado analise o caso, inclusive, o próprio Provimento nº 150/2023 traz a obrigação do requerente estar assistido por advogado.

Do contrato

Dentre os requisitos, podemos afirmar que o contrato é o primeiro que devemos observar.

O contrato é o documento que representa a transação imobiliária realizada pelas partes.

De acordo com o Provimento, esse contrato poderá ser promessa de compra e venda, de permuta ou de cessão:

Art. 440-B. Podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável.

Salienta-se que contratos verbais não poderão instruir pedido de adjudicação compulsória extrajudicial. Nesses casos, o requerente deverá procurar a via judicial.

É importante observar que se houver cláusula prevendo o direito de arrependimento, será necessário analisar se ela ainda é exercitável.

Se não houver cláusula de arrependimento, ou não sendo ela exercitável, não haverá impedimento para a adjudicação.

Provas do adimplemento

Além do título, o requerente deverá comprovar que pagou o preço do imóvel, ou que cumpriu a contraprestação prevista no contrato.

O Provimento nº 150/2023 traz em seu artigo 440-G um rol exemplificativo de documentos que poderão ser aceitos como prova de pagamento:

(…)

I – ação de consignação em pagamento com valores depositados;

II – mensagens, inclusive eletrônicas, em que se declare quitação ou se reconheça que o pagamento foi efetuado;

III – comprovantes de operações bancárias;

IV – informações prestadas em declaração de imposto de renda;

V – recibos cuja autoria seja passível de confirmação;

VI – averbação ou apresentação do termo de quitação de que trata a alínea 32 do inciso II do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973; ou

VII – notificação extrajudicial destinada à constituição em mora.

Salienta-se que essa lista é exemplificativa, ou seja, poderão ser aceitos outros documentos que o tabelião julgar válidos.

Essa informação constará na ata notarial, da qual trataremos mais adiante.

Recusa do vendedor

Como já mencionado anteriormente, a adjudicação compulsória visa garantir ao promitente comprador o direito real à aquisição do imóvel, caso o vendedor não outorgue a escritura pública.

Contudo, para tanto é necessário que o requerente apresente provas de que o vendedor está se negando ou se omitindo em outorgar a escritura pública.

Uma notificação extrajudicial, conversas de WhatsApp e e-mails poderão servir como meio de provas.

Desse modo, ao analisar o cabimento da adjudicação compulsória extrajudicial deve-se observar primordialmente:

  • Contrato
  • Prova do adimplemento
  • Recusa do vendedor

Ata notarial

Após analisar se o caso concreto atende os requisitos da adjudicação compulsória extrajudicial previstos no Provimento 150/2023, será necessário elaborar a ata notarial.

Esse é o primeiro passo desse procedimento.

O tabelionato de notas é o cartório competente para elaborar esse documento.

Desse modo, o requerente munido de toda a documentação que possui, irá até um tabelionato de notas de sua preferência e solicitará a elaboração de uma ata notarial para fins de adjudicação compulsória extrajudicial.

A ata notarial tem por objetivo descrever o negócio jurídico objeto da demanda, identificando as partes e o imóvel, bem como as provas apresentadas:

Art. 440-G. Além de seus demais requisitos, para fins de adjudicação compulsória, a ata notarial conterá:

I – a referência à matrícula ou à transcrição, e a descrição do imóvel com seus ônus e gravames;

II – a identificação dos atos e negócios jurídicos que dão fundamento à adjudicação compulsória, incluído o histórico de todas as cessões e sucessões, bem como a relação de todos os que figurem nos respectivos instrumentos contratuais;

III – as provas do adimplemento integral do preço ou do cumprimento da contraprestação à transferência do imóvel adjudicando;

IV – a identificação das providências que deveriam ter sido adotadas pelo requerido para a transmissão de propriedade e a verificação de seu inadimplemento;

V – o valor venal atribuído ao imóvel adjudicando, na data do requerimento inicial, segundo a legislação local.

O tabelião de notas tem um papel muito importante. É seu dever orientar o requerente acerca de eventual inviabilidade da adjudicação compulsória pela via extrajudicial, bem como poderá instaurar a conciliação ou a mediação dos interessados, desde que haja concordância do requerente.

Contudo, a ata notarial não transfere a propriedade, ela apenas serve como prova para instruir o pedido de adjudicação compulsória.

Do processamento da adjudicação compulsória extrajudicial

Conforme já exposto, a primeira fase da adjudicação compulsória extrajudicial é a elaboração da ata notarial no Tabelionato de Notas.

Após isso, inicia-se a segunda fase, na qual o requerente irá apresentar o requerimento de adjudicação compulsória perante o Registro de Imóveis onde o imóvel está matriculado.

Esse requerimento será semelhante a uma petição inicial de processos judiciais, o qual deverá atender os requisitos legais (art. 319, CPC e art. 440-L, Provimento 150/2023).

Juntamente com esse requerimento, é obrigatório apresentar a ata notarial e o contrato. A apresentação de outros documentos é facultativo.

É importante registrar também, que durante esse procedimento o oficial do Registro de Imóveis poderá solicitar novos documento e/ou esclarecimento por meio das chamadas notas devolutivas.

Após o recebimento do requerimento inicial e preenchido os requisitos legais, o oficial do Registro de Imóveis notificará o requerido, dando-lhe ciência do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial.

O requerido, por sua vez, poderá concordar com o pedido ou impugna-lo.

Em caso de anuência, o procedimento seguirá.

Apresentado impugnação, o oficial do Registro de Imóveis analisará os argumentos, podendo aceitar ou rejeitar a impugnação, cabendo contra essa decisão, recurso que será encaminhado ao Juízo competente.

Caso o Juiz aceite a impugnação, o processo será extinto. Se a for rejeitada, o Juiz ordenará a retomada do processo perante o Registro de Imóveis.

Contra a decisão do Juiz não caberá nenhum recurso. Se a parte não concordar, deverá recorrer a via judicial.

Após, o oficial do Registro de imóveis irá deferir ou rejeitar o pedido de adjudicação compulsória.

Em caso de rejeição, o requerente poderá apresentar seu inconformismo por meio do procedimento de “dúvida”.

No caso de deferimento da adjudicação compulsória, iniciará a fase de registro com a transferência da propriedade para o requerente/comprador.

Considerações finais sobre a adjudicação compulsória extrajudicial

Algumas questões pontuais dispostas no Provimento 150/2023 do Conselho Nacional de Justiça merecem destaque.

A primeira delas refere-se ao valor da ata notarial, pois ela será cobrada com base no valor do imóvel.

Conforme previsto no Provimento, eventuais ônus, gravames ou direitos reais registrados na matrícula, via de regra não impedem a adjudicação compulsória.

Esses atos apenas obstarão a adjudicação compulsória, quando eles impedirem a transmissão voluntária do imóvel, como por exemplo, a alienação fiduciária.

O registro de eventual indisponibilidade do imóvel não impedirá o processo de adjudicação, porém, o requerente deverá realizar o seu cancelamento antes da decisão final.

Eventual irregularidade fiscal do vendedor também não impede a adjudicação compulsória.

Além disso, nesse procedimento incide o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). O requerente deverá comprovar seu pagamento no prazo conferido pelo Registro de Imóveis, sob pena de extinção do processo da adjudicação compulsória.

Conclusão

A adjudicação compulsória pela via extrajudicial foi uma inovação legislativa, visto que antes de setembro de 2023 apenas ocorria na esfera judicial.

Com isso, ela conferiu uma maior celeridade ao comprador que deseja obter a propriedade do imóvel, que está sendo indevidamente obstada pelo vendedor.

Além disso, o Provimento 150/2023 do Conselho Nacional de Justiça também ampliou os instrumentos que podem fundamentar a adjudicação, pois o Código Civil mencionava apenas as promessas de compra e venda e cessões, enquanto que o referido Provimento acrescentou a promessa de permuta.

Nesse artigo tratei dos principais pontos, porém é fundamental que um advogado analise o caso concreto para conferir a viabilidade desse procedimento.

Se você ficou com alguma dúvida sobre esse conteúdo e deseja falar comigo, meus contatos estão aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *